Caso Mattel : gestao de crise e imprensa

Gestão de crise: novas regras requerem transparência e envolvimento das empresas
As desculpas das empresas estão se amontoando. Robert Eckert, CEO da Mattel, desculpou-se em 12 de setembro diante de uma subcomissão do Senado por resíduos de chumbo encontrados na tinta de milhões de brinquedos da empresa. Joe Moglia,
A + A - Tamanho do texto: Close Compartilhar ImprimirAs desculpas das empresas estão se amontoando. Robert Eckert, CEO da Mattel, desculpou-se em 12 de setembro diante de uma subcomissão do Senado por resíduos de chumbo encontrados na tinta de milhões de brinquedos da empresa. Joe Moglia, CEO DA TD Ameritrade, desculpou-se em 14 de setembro pelo vazamento no banco de dados da empresa, comprometendo endereços, números de telefone e e-mails de clientes. Steve Jobs, CEO da Apple, desculpou-se em 6 de setembro por ter reduzido o preço do sofisticado iPhone para 399 dólares poucas semanas depois que clientes fiéis da marca esperaram em longas filas para adquirir o aparelho por 599 dólares. Os executivos da Dell desculparam-se em agosto no blog da empresa pela demora na entrega de modelos específicos de desktop e de laptops. A JetBlue desculpou-se em fevereiro pelo cancelamento de 250 vôos, deixando alguns passageiros retidos durante 11 horas na pista por causa de uma tempestade de neve.
O elo comum dessas desculpas foi o fato de que os executivos agiram rapidamente para evitar danos à reputação de suas empresas. Embora nem todas as crises corporativas sejam iguais, há um conjunto de regras que permite lidar com eventos desse tipo, conforme explicam os professores da Wharton. Em primeiro lugar, a reposta da empresa deve vir em questão de horas, e não dias. Deve ser uma desculpa bem pensada, feita através de meios diversos, e deve também apresentar algum tipo de estratégia de correção, para que não ocorra novamente.

Os riscos são altos. As empresas que administram bem esses eventos tendem a preservar sua reputação. As que demoram muito para reagir à crise podem ficar permanentemente maculadas pela percepção do cliente. O que mudou, dizem os especialistas da Wharton, é que a velocidade com que a internet e a globalização facilitaram a disseminação da informação. Isto significa que o boca-a-boca — tanto positivo quanto negativo — viaja mais longe e mais depressa do que nunca.

Exemplo disso é a carta aberta de Steve Jobs, que ofereceu um crédito de 100 dólares nas lojas da Apple, virtuais e não-virtuais, para quem comprou o iPhone no dia em que foi lançado, em 29 de junho. A informação foi veiculada no site da empresa um dia depois do anúncio da redução de preço do aparelho. “Queremos fazer a coisa certa para a clientela do iPhone, que é muito importante para nós”, dizia a carta. “Pedimos desculpas por ter desapontado alguns de vocês. Estamos fazendo o melhor possível para atender à enorme expectativa que vocês têm em relação a Apple.”

Três categorias de crise

Respostas personalizadas às crises são essenciais, porque nem todas são iguais. Maurice Schweitzer, professor de Gestão de Operações e de Informações da Wharton, classifica as crises em três categorias básicas: questões referentes ao serviço prestado ao consumidor, “falhas de competência” e “trapalhadas que nada têm a ver com a competência básica da companhia”. A terceira categoria refere-se a incidentes como o escândalo protagonizado por Martha Stewart, que teve acesso a informações privilegiadas do mercado acionário. Embora a apresentadora tenha passado um tempo na cadeia por causa disso, o incidente não respingou em sua competência básica: dicas para decoração do lar, de receitas e entretenimento.

A incapacidade da Dell de atender aos pedidos para determinados tipos de laptops e os cortes feitos pela Apple nos preço do iPhone são questões que dizem respeito à prestação de serviços ao cliente, diz Schweitzer. O objetivo aqui é impedir que os clientes abandonem a empresa. “No momento em que a Apple anunciar seu próximo produto, não vai querer de forma alguma que as pessoas se sintam enganadas”, diz Schweitzer. “A empresa não quer que os clientes esperem [para adquirir seu produto] na próxima vez que lançarem uma novidade.”

A incapacidade da JetBlue de levar seus clientes ao seu destino em fevereiro, e os problema de fabricação da Mattel na China são exemplos de “falhas de competência”, diz Schweitzer. Ambas as empresas tiveram problemas que deveriam ter sido evitados. No caso da Mattel, “a última coisa com que os pais querem se preocupar quando compram um brinquedo para seus filhos é com a segurança do produto”.

O problema de segurança no caso da Mattel, acrescenta Lisa Bolton, professora de Marketing da Wharton, requer uma resposta que apele às emoções do consumidor. Na verdade, Eckert, CEO da empresa, falou diretamente às preocupações dos pais em seu depoimento de 12 de setembro perante a Subcomissão de Dotações do Senado para Serviços Financeiros e Governo Geral. “Também sou pai, como muitos de vocês”, disse ele. “Preocupo-me muito, assim como vocês, com a segurança das crianças. E, como vocês, fiquei profundamente apreensivo e desapontado pelos acontecimentos recentes. Com relação à presença de chumbo em nossos produtos, tenho a dizer que nossos sistemas foram ignorados, e nossos padrões, violados. Ficamos desamparados, e desamparamos vocês. Em nome da Mattel e de seus cerca de 30.000 funcionários, peço sinceramente que nos desculpem [...] Estamos fazendo o possível para evitar que isso aconteça novamente.”

Alfabetizados em mídias diversas

Para que sua mensagem chegasse à sua clientela, a Mattel recorreu à mídia online, ao seu site e à televisão. O mais importante foi que a empresa reagiu rapidamente. De todos esses passos, a velocidade de reação talvez tenha sido o fator mais importante, diz Yoram (Jerry) Wind,, professor de Marketing da Wharton e autor do livro, Competindo em um mundo plano [Competing in a flat world] (Wharton school Publishing), a ser publicado. “A Internet trouxe transparência total; você não pode se esconder. Pode-se distribuir qualquer coisa pelo mundo todo. Os gestores precisam responder rapidamente aos problemas e de modo eficaz.”

Ron Culp, diretor-gerente de relações públicas da Ketchum, concorda, e diz que o ciclo tradicional de notícias, em que os prazos dos jornais diários ditavam como as empresas gerenciavam a comunicação das crises, não existe mais. Uma empresa que estivesse enfrentando uma crise tinha pelo menos um dia para reagir; agora, porém, o prazo é bem mais apertado na medida em que os blogs e as agências de notícias online informam os acontecimentos com maior rapidez do que mídias tradicionais. “Até poucos anos atrás, sabia que se recebesse um telefonema às 10 da manhã teria até as 17 horas para responder o que me perguntavam”, diz Culp. “Hoje, tenho de enviar minha resposta até às 10h e 5min.”

Culp observa também que as empresas têm de estar alfabetizadas em várias mídias diferentes. As empresas tradicionais, por exemplo, monitoram cada vez mais os blogs, ou os jornais online, em busca de dicas. Ao atingir o cliente diretamente através dos blogs, as empresas em crise podem transmitir uma mensagem mais eficaz. “A melhor estratégia consiste em postar a resposta da empresa no site da empresa e permitir que os blogueiros a copiem”, diz Culp. “A mídia tradicional vem a seguir.” Dada a nova dinâmica, ele recomenda às empresas que monitorem continuamente todas as fontes de notícias, principalmente os blogs, onde podem aflorar possíveis problemas. “Antes de qualquer outra coisa, é preciso que as empresas estejam presentes em toda a Internet.”

Para continuar ágil o suficiente para reagir ao interminável fluxo de troca de idéias online, Thomas Donaldson, professor de Estudos Jurídicos e de Ética nos Negócios da Wharton, recomenda que as empresas formem uma equipe dedicada exclusivamente à comunicação em tempos de crise. A equipe poderá então customizar a resposta da empresa o mais depressa possível, contornando a burocracia corporativa. Quando a crise irrompe, o CEO não deverá pedir conselhos aos advogados da companhia, porque isso apenas atrasará o processo de comunicação, diz Donaldson. “As empresas têm de assimilar o golpe, remover a sujeira deixada e seguir em frente. Isto significa deixar os advogados da empresa tranqüilos onde estão, e dizer ‘não’ a eles mesmo que a resposta da empresa gere possíveis responsabilidades legais.”

Por fim, as empresas — sobretudo as multinacionais — precisam avaliar de que maneira sua mensagem será recebida globalmente. A Mattel, por exemplo, tem de levar em conta a atitude dos americanos em relação aos trabalhadores chineses, que tiram empregos do setor fabril dos EUA, além de pensar muito bem em um meio de formular sua mensagem de segurança, diz Donaldson. “A Mattel precisa garantir às pessoas que vai comprar aquilo de que necessita no mundo todo, e que vai fazê-lo com segurança. O problema é que muita gente não está disposta a acreditar nisso.”

Anatomia de uma desculpa

A peça fundamental de qualquer processo de recuperação consiste em uma desculpa que seja crível. De acordo com Lisa bolton, professora de Marketing da Wharton, três componentes básicos asseguram a eficácia de uma desculpa: ela deve ser transmitida pelo CEO; elabora-se uma solução para o problema e deve haver também algum elemento monetário envolvido. A resposta inicial é a mais importante”, diz ela. “Deve-se admitir o erro e não ficar na defensiva. Isto é básico. É preciso tomar as rédeas do processo, reconhecer o erro, propor um meio de atenuar o problema e pensar também em algum tipo de compensação financeira. Além disso, é preciso personalizar a resposta em relação à magnitude do erro cometido.”

Segundo Schweitzer, uma desculpa que não seja sincera e não ofereça uma solução não será eficaz. “As pessoas precisam acreditar que a desculpa é para valer.” Bolton concorda que a credibilidade e a plausibilidade são fundamentais, porém, acrescenta, a remuneração talvez seja mais importante. “É preciso levar em conta a remuneração financeira e a resposta emocional.” Ela diz que uma das coisas que colaboraram para a eficácia da resposta da Apple foi a oferta de Jobs de 100 dólares de crédito. Schweitzer acrescenta: a desculpa de Jobs e o crédito oferecido pela Apple ajudaram bastante a convencer os clientes de que a empresa se preocupa com eles”.

Wind, porém, tem uma opinião diferente a respeito do caso da Apple, e observa que muitas desculpas recentes foram prejudicadas por medidas corretivas inadequadas. O valor oferecido por Jobs poderia ter sido melhor, diz ele. “A Apple concedeu um crédito de 100 dólares para futuras compras. O montante é bastante arbitrário, já que a clientela em questão é a melhor que a empresa possui. São pessoas que esperaram a noite toda [para comprar um telefone] e recebem simplesmente metade do valor concedido aos novos clientes. Por que não 200 dólares? Por que não 250 para mostrar que a Apple realmente valoriza o cliente que adquire as novidades da empresa? Imagine o impacto que seria para a empresa se tivesse concedido 250 dólares de desconto àqueles clientes.”

É preciso que as empresas levem em conta essas várias crises e as encare como forma de conquistar a clientela, acrescenta Wind, e diz que se a Dell atrasa uma entrega, deveria oferecer ao cliente um desktop ou um laptop emprestados. “A maior parte das empresas não entende que o cliente tem um valor enorme. Elas analisam os acontecimentos e entram em pânico. Perdem com isso novas oportunidades.”

Pilares da boa reputação

Especialistas da Wharton dizem que o sucesso de um projeto de resgate de reputação depende da imagem que a empresa passa no momento em que é atingida por uma crise. “O ponto inicial é muito importante”, diz Donaldson. “A velha máxima de que uma reputação leva anos para se firmar, mas pode ser destruída da noite para o dia, só é verdade em parte. Se você tem uma boa reputação, terá o benefício da dúvida. Se a reputação da empresa é ruim, não terá esse mesmo benefício.”

Donaldson cita a Berkshire Hathaway de Warren Buffet como exemplo de empresa que se beneficiou de uma boa reputação num momento de crise. Em 2005, Maurice Greenberg, CEO da seguradora American International Group (AIG), foi obrigado a renunciar em razão de transações duvidosas. Embora Buffet não estivesse diretamente envolvido, poderia ter sido prejudicado, diz Donaldson. “A reputação da Berkshire Hathaway era de enorme importância num momento em que a General Re estava sob crítica severa. Os meios de comunicação deram a Berkshire Hathaway o benefício da dúvida por causa de Buffet.”

Em outras palavras, faz sentido para as empresas “acumularem uma reserva de boa vontade”, diz Thomas Dunfee, professor de Estudos Jurídicos e de Ética nos Negócios da Wharton. Dunfee é estudioso da responsabilidade social da empresa (CSR, na sigla em inglês) e seu possível impacto sobre os resultados corporativos. “Existe uma idéia de que as empresas deveriam fazer um investimento adicional em boas ações, investindo também em filantropia”, diz Dunfee. “A idéia é de que ela acumularia créditos sociais se algo saísse errado.”

O problema dessa linha de pensamento é que é difícil quantificar quais atividades sociais proporcionam maior proteção, diz Dunfee. “O que se diz normalmente é que as atividades de CSR podem propiciar algum tipo de proteção [contra futuras crises], mas não há dados empíricos concretos a esse respeito.” A maior parte das empresas, acrescenta Dunfee, investe em comunidades locais, mas não se sabe ao certo se isso facilita a vida da empresa em momentos de crise. Outras atividades — ajuda financeira às artes — talvez tenham pouco ou nenhum efeito.

De acordo com Bolton, boa parte da administração da boa reputação consiste em antecipar problemas e, em seguida, evitá-los antes que se tornem persistentes. A Disney, por exemplo, anunciou em 10 de setembro que fará testes por conta própria na tinta dos brinquedos de seus personagens, como o Mickey Mouse. “Com isso, a empresa quer dar um passo à frente em relação aos problemas da Mattel”, diz Bolton. “É assim que se consegue uma boa reputação antecipadamente. O teste particular da empresa poderá ajudar: se houver problemas futuros, pelo menos o cliente da Disney sabe que ela estava atenta. É muito melhor evitar algo e conseguir com isso uma boa reputação do que tentar remediar a situação posteriormente.”

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